“É evidente que, num mundo povoado principalmente por caçadores, há pouco espaço para devaneios utópicos”, observa Zygmunt Bauman, na obra “Tempos Líquidos”. Mas será que realmente não há?
Para comemorar seu vigésimo quinto aniversário, a Cia Lúdica irá promover uma apresentação artística inédita, inspirada no autor.
“A Utopia na Era da Incerteza” é uma instalação cuja proposta parte da metáfora do “jardineiro e do caçador” na sociedade moderna, opostos em suas respectivas naturezas do semear e do destruir.
O público é convidado a uma imersão na dialética entre o individual e o coletivo, entre utopia e distopia, ou, como a própria Cia Lúdica definiu, uma reflexão sobre as “ressonâncias e dissonâncias utópicas e distópicas entre os jardineiros e os caçadores da contemporaneidade”.
A obra consiste em uma análise sobre os domínios da globalização e as consequências das incertezas políticas na população, tendo como pano de fundo a cidade de São Paulo.
O espetáculo Utopia em uma Noite de Inverno, apresentado em um dos momentos da imersão, mostra um grupo de cidadãos sem-teto vivendo desalojados ao lado de um imenso edifício desocupado. Durante uma noite chuvosa e fria, surgem agentes “benfeitores” que distribuem sopa quente a essas pessoas; como em um passe de mágica, todo o grupo adormece e, ao acordar, encontra-se em mundo ideal, onde a utópica vida boa se concretiza.
A encenação é um mergulho no tema central do projeto, percorrendo a trajetória que conduz aos dois extremos existentes entre a natureza utópica e a natureza distópica: A representação de uma “São Paulo líquida”.
As pessoas ainda terão a oportunidade de manifestar-se, expressar-se ou ressignificar suas impressões sobre a trajetória na instalação, seja a partir da voz, das artes visuais (cartolina, canetas coloridas, argila), da música (instrumentos musicais) ou outros materiais, que estarão à disposição.
Esse projeto foi contemplado pela 32ª edição do Programa de Fomento ao Teatro, da Secretaria Municipal de Cultura, e teve como base uma pesquisa feita pelos diretores Marcya Harco e Paulo Drumond.
Um ponto interessante é que o próprio lugar, escolhido por eles, carrega em sua história o argumento da obra: o Tendal da Lapa é um conjunto arquitetônico que já teve seu espaço ocupado pelo Frigorífico Armour, e só sob gestão da prefeita Luiza Erundina que foi reconhecido como Centro Cultural; ou seja, sua existência é sustentada tanto pela distopia de um abatedouro, como pela utopia de um lugar de cultura, que hoje é conduzido pelos sonhos dos artistas.
A estreia foi sábado, dia 23 de março e permanece em cartaz até 5 de setembro.
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.