Nascida em 1940 a partir de um projeto do crítico e intelectual paulista Paulo Emílio Salles Gomes, a Cinemateca abriga em seu rico acervo 250 mil rolos de filme, sendo 44 mil títulos de curta, média e longa-metragens, além de programas de TV e registros de jogos de futebol, sob um custo de manutenção de 1,2 milhão por mês. Apesar dos números justificarem sua importância não só para o setor cultural e artístico, mas também para a memória política do país, desde o começo de 2020 a instituição vive sob ataque e incertezas, visto que o Governo Federal deixou de fazer os pagamentos previstos para sua manutenção, bem como dos mais de 40 funcionários especializados em restauração e conservação, posto que o material dos rolos de filmes são altamente inflamáveis (a própria instituição já sofreu por quatro vezes com incêndios em suas instalações e acervos).
O desfecho do longo embate que a instituição travou neste ano, sob a gestão da Acerp – Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, com o Governo Federal indica que pouco fora resolvido e tempos de incertezas perdurarão, visto que a Cinemateca permanece sem investimentos ou mesmo uma política cultural clara. Com o fim do contrato com a Acerp todos os funcionários, alguns com décadas de atuação na Cinemateca, foram demitidos e não há quaisquer indicativos até o momento de que o Ministério do Turismo e a Secretaria Especial da Cultura realizem nova chamada pública para a gestão da instituição.
A diretora Paloma Rocha, filha do também diretor Glauber Rocha e que doou grande parte do acervo do cineasta para a Cinemateca diz em entrevista para a Folha de São Paulo que “você não pode simplesmente trocar anos de história do cinema brasileiro, do Paulo Emílio Salles Gomes, por um ano e meio de uma gestão completamente inconsequente, incompetente, burra, negacionista, picareta”.
Na mesma toada escreveu em sua coluna para a revista Época o diretor e crítico de cinema Thiago Mendonça. “O sucateamento programado da Cinemateca, instituição que deveria estar acima de qualquer disputa política e ideologia é um retrato perfeito do país em que vivemos hoje. A luta pela integridade desta instituição é a luta pela imagem do Brasil, que se perde a cada novo incêndio e a cada nova insensatez de governantes. A Cinemateca não é uma questão menor. A luta por nossas imagens determinará a forma que nos veremos no futuro. E a forma como nos vemos diz muito do que somos.”
Diante de tantas incertezas e da memória coletiva do fim que levaram grandes museus brasileiros – como o Museu Nacional, alvo de um grande incêndio em 2018, ou o Museu Paulista, fechado há 7 anos – não podemos ignorar o risco que corre essa que é a maior instituição de preservação fílmica de toda América Latina. Um plano de gestão definido e condizente com seu tamanho, que abarque corpo técnico qualificado, programas de difusão e democratização de seu acervo é mais que urgente para que, de fato, a Cinemateca Brasileira possa ter um futuro.
Por Pietro Mariano
Formado em Filosofia e estudante de Letras, desenvolve atividades de pesquisa sobre Direitos Humanos no Brasil junto à Unifesp